Com as campanhas e com toda essa movimentação que hoje vemos
nas redes para proteger nossas crianças e mulheres, fiquei aqui pensando quando
foi o meu primeiro assédio, quando exatamente aconteceu o primeiro episodio de
assédio na minha vida. Talvez quando o pai de uma amiga me colocou no colo e
senti algo estranho que eu não gostei, hoje eu sei ele estava excitado com uma
criança, ou quando um tio nas festas ficava bêbado e tentava ficar passando a
mão e eu fugindo porque eu sabia que não gostava e aquilo não era certo, mas preferi
aqui escrever do meu primeiro grito.
Sim foi em forma de
grito que vomitei algo que carreguei por três décadas e depois dos meus trinta
anos eu verbalizei numa conversa entre amigas em torno da sexualidade, que o
pior era ter tido alguém de confiança da minha família entrando no meu quarto
no meio da madrugada fedendo a bebida e enquanto dormia-me “bulinava” o que fez
um dia passar dos limites, digo passar da calcinha, porque dos limites já havia
passado algum tempo, e eu disse chega, gritando que saísse do meu quarto.
Na época fazia terapia para tratar uma depressão profunda
que me levou a ficar trancada em casa durante algum tempo porque não conseguia
por os pés na rua, nunca esqueço a pergunta da psicóloga: “porque não disse
isso antes?” e completou e que aquilo explicaria muitas coisas. A minha
resposta: “não sei”. Sim, eu não sabia, era algo que nem eu lembrava conscientemente,
pois parecia que tinha posto em baixo do tapete. Foi então que percebi o peso
que carregava a culpa de ter atraído aquele monstro, naquela noite, até meu
quarto.
Aprendi nesses anos que verbalizar era importante, então fui
vencendo meus monstros, primeiro falar com minha mãe, pois sentia a culpa de
não ter conseguido falar para ela no outro dia o que tinha acontecido, quando
me perguntou. Só consegui dizer nada, ele não fez nada. Mentira, ele tinha
estragado minha infância, minha adolescência, minhas relações com outros
homens, tinha colocado em mim toda a culpa por acordar com um homem com sua mão
na minha vagina, homem que deveria ser de confiança, um adulto que deveria me
proteger. Sei que foi doido para ela, chorei muito, às vezes ainda sinto a dor,
muito mais leve hoje, pois nunca deixo de verbalizar, a campanha
#primeiroassédio começou há alguns anos para mim, e sempre estou nela quando
digo, hoje sem vergonha, sem medo ou culpa: sim, eu fui assedia quando criança
e o que aconteceu prejudicou a minha vida enquanto mulher durante muito tempo.
Muitas vezes, repetidas vezes precisei ouvir: “a culpa não
foi sua, você era uma criança, a culpa não foi sua”, e em menos vezes hoje
repito para mim: a culpa não foi minha, e era uma criança de oito anos que
deveria ser protegida de todas as formas.
Não quis expor para família toda, me bastei eu e minha mãe,
minha psicóloga e outras pessoas que confiei à história, porque a doença dele
não me interessava, e o meu interesse era de como eu ia me livrar desse
fantasma que carreguei por anos. Por anos me sentia feia, estranha, não
conseguia me relacionar com outros homens, talvez esse o motivo que só fui ter
minha primeira e verdadeira relação depois dos 20 anos quando eu encontrei um
homem que me fez sentir protegida e segura.
Hoje fora de padrões, com celulite, estrias, eu me sinto uma
mulher maravilhosa, linda, pois hoje eu sei quem eu sou, e me vejo muito além
dos olhos dos outros.
Um pedido, um desejo que tenho cada vez que falo nisso é que
nunca mais acontecesse com nenhuma menina, e nenhum menino, pois podem
acreditar, nessa minha luta interna a qual expus a ferida também fui
confidenciada por homens que na infância sofreram assedio de outros homens e
que até hoje carregam com eles esse fantasma. Para eles também disse a culpa
não foi tua, se ele é um doente você não é o culpado, pois isso não pode ser o
“normal” e o “certo” não era culpa e nunca vai ser do oprimido.
Sabrina
18/12/2015
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